quinta-feira, 6 de agosto de 2009

Artigo: A Revolução e a Esquerda que Temos

Nós vivemos sob a hegemonia dos oportunistas. A esquerda revolucionária foi reduzida e desqualificada ao longo do tempo. Fragmentada em suas vanguardas e esfacelada em suas bases, perdeu e a cada dia perde mais fôlego nas lutas populares, que diferentemente da esquerda, somente crescem em demandas reais.

Hoje, no mundo pós-estalinismo, nos encontramos a recolher os restos de uma outra virtualidade. Uma realidade sem alternativas, prenunciada e tacitamente vitoriosa pelos reformadores mais proeminentes da penúltima grande crise do Capital.

Nesta nova e completamente incerta fase da luta dos trabalhadores, temos poucas, mas tenebrosas certezas sobre seus rumos e conseqüências, a curto e médio prazo. Bem como podemos traçar algumas possíveis causas para estar onde estamos.

Com o desmantelamento da União Soviética, se inaugura então um estado de aprofundamento total na descentralização do movimento revolucionário comunista. O que traz conseqüências drásticas, não somente para o movimento revolucionário em si e sua busca pelo fortalecimento unitário, mas tragicamente para suas bases ideológicas, leia-se: pensamento marxista.

Em termos quantitativos, o debate interno à esquerda e a produção marxista nos meios partidários e acadêmicos se encontram em constante e progressivo arrefecimento. Em termos qualitativos a realidade se mostra em níveis ainda mais tétricos. A produção marxista é pouco significante e produz efeitos ínfimos, quase nulos à dinâmica dos movimentos sociais. Mas o que ocorre de mais grave, a meu ver, é em relação aos debates em meios partidários, para a esquerda e para os movimentos sociais: não há um debate sério! O que temos não vai além de digressões e justificações a posicionamentos e embates táticos entre as centenas de siglas que se traduzem em centenas de correntes internas, correntes externas, organizações internacionais (de amigos de facebook), partidos, partidões e partidinhos que se reivindicam marxistas, se auto proclamam revolucionários, mas que não apontam, não se fundamentam, não realizam, nem têm como horizonte palpável uma estratégia de fato marxista e de fato revolucionária.

Parece-me que, tanto quanto os valores do homem contemporâneo, o sentido de ser um militante marxista perdeu-se em meio ao caos ideológico, mas bem organizado pelos ideólogos do capital. Como se não passássemos de um bando de baratas afugentadas, atordoadas e desesperadas pelo bom e velho DDT, que neste renovado e asséptico mundo parece fazer mais efeito. Nesse mundo da vitória da mediocridade, da glorificação da estupidez, da ditadura do pensamento único e aprisionado, nos curvamos às meras disputas por migalhas partidárias, às contagens miseráveis de garrafas, nas rixas apequenadas por espaços ridículos de poder. Estamos também medíocres.

Nunca foi problema a ditadura do pensamento único. Nunca nos ameaçou a glorificação da estupidez. A ideologia dominante sempre foi a ideologia da classe dominante! Mas o que ocorre hoje? Por que então sucumbimos enquanto vanguarda do movimento revolucionário?

Sem temer as simplificações: porque vivemos sob a hegemonia dos oportunistas! Porque o processo que nos torna medíocres é o mesmo que mantém a mediocridade. Quem tem olhos pra ver reconhece o alto grau de desleixo e negligência dessas centenas de organizações reivindicantes da tradição marxista, sejam morenistas, sejam trotskistas, sejam estalinistas, leninistas ou o que forem, em práticas primárias de recrutamento, formação política e relacionamento com os movimentos sociais e com as massas. Dessa forma há um nivelamento por baixo nas discussões, esvaziamento teórico do marxismo como fundamento filosófico e instrumental nas análises necessárias para a vanguarda e uma direção partidária interessada em ganhos imediatos e mesquinhos para seus interesses egoísticos, de força ou individuais. Mas principalmente, há assim uma militância construída e forjada nos pequenos manuais e panfletos, que se torna desprovida de preparo teórico e intelectual e, por conseguinte, é incapaz de intervir e pensar dialeticamente, se tornando quase acrítica aos seus dirigentes imediatos.

Como cegos guiando cegos, nos encontramos numa das maiores crises na qual o capital já imergiu. Para um espectador desavisado é como se a luta de classes já houvesse deixado de existir. Pois, apesar da emergência de movimentos populares de grande vulto no mundo, mas principalmente na América Latina com a Venezuela e Bolívia nos últimos anos, a idéia de revolução e ruptura com o capitalismo e mais especificamente de uma revolução marxista, desde suas primeiras linhas traçadas nunca se encontrou tão esquecida, ignorada, e por muitas das vezes no seio dos próprios reivindicantes.

Especificamente no Brasil, temos um cenário de cuja única piora seria o total aniquilamento e desaparecimento de qualquer vestígio de organização popular ou pensamento crítico na sociedade. Pois o pouco que restou da esquerda “de luta”, se encontra descolada e enfraquecida diante dos movimentos sociais reais e apartada dos grandes sindicatos e da massa de trabalhadores, que são então, juntamente com a burguesia, a grande base de sustentação do governo traidor do Partido dos Trabalhadores. E é durante este mesmo governo que o país alcança o status de potência imperialista, derrubando e silenciando algumas das velhas e mofadas análises de conjuntura marxistas onde as bandeiras de “fora FMI!” e “Não à ALCA!” não mais e talvez nunca tivessem feito sentido. Conjuntura esta que, aliada a inabilidade, apatia, descompromisso, falta de preparo e oportunismo dos marxistas “verdadeiros”, nos preenche de desesperança a médio e de total desespero em curto prazo.

Porém, como humilde, mas dedicado marxista, sei que o motor da História pode até parecer por vezes claudicante e podemos até vislumbrar a chama revolucionária cada dia mais fria e cada vez mais longínqua, entretanto, enquanto houver a exploração e opressão de um homem sobre outro, enquanto o mundo for dividido em classes essencialmente divergentes em interesses, enquanto a democracia não for imperativa em todos os espaços de vida e produção, enquanto o início e o fim das ações humanas não for a própria humanidade, sei que ainda não se apagará.

Sei que somos poucos, somos pequenos, mas sei que conseguimos provar na prática que direcionar nossa ação dialeticamente e sempre ao lado da classe trabalhadora ainda é a melhor forma de se alcançar conquistas e fortalecer o movimento. Conseguimos provar também que é possível se obter bons resultados eleitorais sem se ter a disputa parlamentar como foco estratégico, mas utilizando este momento como espaço pedagógico e de diálogo com as massas, reconhecendo as demandas reais da luta de classes como centrais e tendo sempre em vista o horizonte revolucionário como única forma possível de libertação, manutenção e evolução da vida humana neste mundo. De tal forma, se torna impossível o esgotamento da crença numa realidade melhor. Como marxista, reconheço na História que momentos de ascensão, ao contrário do que parece hoje, também existem e que a revolução é sempre impossível até que se torne inevitável.

Bruno Dutra Leite (PSOL-UFRJ).